Sensível e criativo, Uma História de Amor e Trevas (2015) surpreende por revelar uma paradoxal leveza carregada de profundidade. A história baseia-se na autobiografia do aclamado escritor israelita Amos Oz (Amir Tessler), que viveu, na primeira pessoa, o nascimento do Estado de Israel. Mas, mais do que isso, o filme aborda sobretudo a sua forte relação com a mãe, Fania (Natalie Portman), e a influência profícua que teve em Amos.
Portman estreia-se na realização, mas também assumiu a empreitada de protagonizar e assinar o argumento da obra, num aspeto que acaba por ser menos conseguido relativamente aos restantes. A narrativa revela-se demasiado linear e não aborda por completo as complexidades do conflito israelo-palestiniano, que decerto moldaram a mente de Amos Oz. Alguns diálogos parecem também algo descontextualizados e pouco seguros, apesar de conseguirem elevar o carácter mitológico e sonhador, sempre com o abismo à espreita. Não obstante, Portman surpreende enquanto realizadora, sendo notório que a atriz bebeu da sabedoria dos realizadores com quem foi trabalhando. Em Uma História de Amor e Trevas, podemos ver o detalhismo de Darren Aronofsky ou a liberdade estilística e exploração metafórica de Terrence Malick. À parte disso, Portman mostra delicadeza e criatividade em vários planos e na forma como deambula visualmente pela história. O filme mostra ainda uma fotografia apelativa e de qualidade assinalável, bem como uma banda-sonora cativante e envolvente, que acompanha de forma perfectível a história.
Natalie Portman em Uma História de Amor e Trevas. Foto: Out Now. |
O talento de Portman enquanto atriz é indiscutível e, neste filme, pôde construir uma personagem que lhe permite explorar o seu potencial dramático. Destaque também para o pequeno ator que interpreta o papel de Amos e que mostra já alguns rasgos de talento. A química entre novato e veterana é ternurenta e carismática e é um dos trunfos do filme.
A obra é, na sua essência, uma bela carta de amor de Portman à sua terra-natal e da qual reúne reminiscências que a acompanham ao longo da sua vida. É um retrato singelo de uma época histórica marcante mas também uma moldura das consequências da depressão, uma história cheia de amor e afetos em que as trevas da escuridão devoram sem cessar. Uma História de Amor e Trevas é o primeiro filme assinado por Natalie Portman e, a ver pela amostra, esperemos que seja o primeiro de muitos.
(Crítica originalmente publicada no site da Metropolis)