'O Conselheiro' - Ou mais uma promessa incumprida

Poster de O Conselheiro. Foto: WorstPreviews.com.

Não é a primeira vez que aquilo que nos é passado a priori sobre um filme acaba por não corresponder, de todo, àquilo que é a obra final apresentada ao grande público. Já aqui me referi a dois títulos (Força Anti-Crime e Paixão) que sofreram de uma imagem demasiado forte para aquilo que acabou por ser a impressão final. Infelizmente, O Conselheiro (2013), que tinha tudo para singrar e tornar-se num dos grandes títulos do ano, fica aquém das grandes expectativas que o circundavam.

Em O Conselheiro, podemos ver a entrada de um advogado (Fassbender) de sucesso, rico e com o amor da sua vida ao seu lado, com casamento marcado e um futuro risonho pela frente, no submundo do crime do tráfico de drogas que, de certa forma, une a América Latina (produção e cartelização do comércio paralelo) à América do Norte (consumidor). Quando uma infeliz coincidência o deixa numa «encruzilhada» - como é referido no filme -, todos ao seu redor são afectados. Alguém tem de morrer para que o negócio continue a rolar pela auto-estrada do crime.

Este filme prometia bastante, como já disse. Senão vejamos: argumento escrito pelo romancista Cormac McCarthy, autor da obra que deu origem ao premiado e muito bem sucedido Este País Não É Para Velhos (2007), colocado em filme pelos irmãos Coen; realização a cargo de Ridley Scott, autor de obras de relevo como o recente Prometheus (2012), Hannibal (2001), Gladiador (2000) ou os já distantes Blade Runner: Perigo Iminente (1982) e Alien - O 8.º Passageiro (1979). No elenco, nomes muito conhecidos e carregados de talento: Cameron Díaz, Michael Fassbender, Javier Bardem, Brad Pitt ou Penélope Cruz.

Ridley Scott (realizador) com Michael Fassbender e Javier Bardem. Foto: CineMagia.ro.

Concordaremos todos com a ideia de que, partindo desta base, O Conselheiro tinha tudo para atingir níveis estratosféricos. É óbvio que há aqui uma elevada dosagem de expectativas altas que poderiam facilmente ficar aquém na execução de tamanha conjugação de talento. E, de facto, as expectativas subiram demasiado. Ao nível do argumento - como alguns críticos norte-americanos já sublinharam -, McCarthy talvez tenha aprendido a lição de uma vida profissional: um bom romancista não tem de dar, obrigatoriamente, um bom argumentista. Assim se confirmou: o argumento é um total falhanço ao nível de execução cinematográfica.

É um filme em que se denota uma erudição e uma construção de diálogos extremamente rica quando o que estamos a ver é uma história relacionada com o tráfico de drogas e o submundo do crime a ele ligado na fronteira entre o México e os Estados Unidos da América. Suponho que não seja normal existirem conversas tão moralmente impactantes na realidade como aquelas que são vividas neste filme e neste contexto. Cada diálogo é, implicitamente, uma discussão do certo e do errado. Parece que tudo o que é criminoso vive contrariado quando explora um negócio de milhões e assume que o faz por ganância e por nada mais.

Ultrapassando este pequeno pormenor do argumento, há a construção das linhas da história que está a ser contada e a forma como elas se interligam. Ou melhor, não se interligam. Há umas três linhas de acção principais, contando a história de forma quase separada entre elas, existindo a normal ligação de personagens e elementos que os unem. Acontece que a ligação não é bem feita. Se a primeira hora é passada pelo espectador a tentar apanhar os cacos da jarra que é O Conselheiro, a segunda é uma tentativa de fazer valer o dinheiro que se pagou pelo bilhete. Há um esforço grande para se gostar deste filme; há uma vontade de olhar para este filme como uma obra interessante, com diálogos marcantes, personagens ricas e uma história muito bem contada. Mas não passa disso.

A acrescentar a isto, mais duas situações directamente ligadas ao argumento: a elevada carga sexual e a violência extrema num par de cenas mais visualmente construídas para chocar o espectador. O sexo neste filme começa logo a ser vendido na cena inicial. Com que intuito? Não se percebe bem. Depois prossegue ao longo de toda a obra, com o culminar de toda a construção (paralela à própria história) a ser a relação sexual que uma das personagens mantém com um Ferrari (sim, isso acontece). Quanto à violência, até ficou bem integrada no filme, com uma construção visual apelativa e bem conseguida e um ajuste relevante para aquilo que foram algumas frases referidas no filme: o implacável submundo do crime tinha de ter um exemplo que comprovasse que ele assim o é, efectivamente.

Cameron Díaz e Penélope Cruz, as duas grandes responsáveis pela grande (e, em grande parte, desnecessária) carga sexual do filme. Foto: CineMagia.ro.

Ao nível da execução final, percebem-se três coisas: a realização de Scott foi levada por um certo caminho, relativamente feliz e mais ou menos bem conseguido, aliada a uma boa fotografia, que não era o mesmo da história que McCarthy quis contar. Essa assumiu-se como algo maior do que o aspecto visual poderia dar. A complexidade de um diálogo (ou de muitos, como é o caso de O Conselheiro) não faz um filme e, neste caso, tornou-se um entrave para se contar a história que Scott quis contar. A este desencontro, os actores responderam com um desempenho esforçado e que podia ter salvado o filme. Não chegou. Fassbender bem tentou criar uma personagem rica, envolta num misto de emoções terrível e fazendo passar uma mensagem ao público. Mas o filme não o acompanhou.