Poderoso e inebriante, Raptadas (2013) garante, no mínimo, algo: ninguém lhe será indiferente. Este é o regresso do
criativo realizador canadiano Denis Villeneuve, que impressionou com o soberbo Incendies– A Mulher que Canta (2010, crítica aqui), nomeado para o Óscar de Melhor Filme
Estrangeiro. A história é agora bem diferente, abordando o rapto infantil, mas,
mais do que isso, o que o ser humano pode ser capaz quando se vê numa situação
extrema. Keller Dover (Hugh Jackman) é um homem de fé – prova disso é o início
espiritual e algo poético do filme – que leva uma vida tranquila com a sua
mulher e os seus dois filhos. O seu mundo desaba quando a sua pequena filha e
amiga são raptadas. É quando entra em acção o detective Loki (Jake Gyllenhaal),
que não consegue reunir as provas suficientes para deixar preso o único
suspeito do crime. Contudo, Keller não se resigna e tenta descobrir a verdade –
pelos seus próprios meios. Há muitas mais peças neste puzzle dramático, mas não estragaremos o suspense tão bem montado
por Villeneuve… A sua realização é, sem dúvida, um dos grandes trunfos do
filme, com planos profundos, detalhados, mas não previsíveis, fazendo com que a
trama esteja montada de um modo em que o espectador não preveja o que irá
acontecer na cena seguinte. Muito disto se deve também ao argumento sóbrio e
consistente de Aaron Guzikowski, que criou um enredo vigoroso e tocante.
Jake Gyllenhaal e Hugh Jackman em Raptadas. Foto: Out Now. |
Na sua estreia no
circuito dito mainstream, Villeneuve
conta com nomes no elenco bem conhecidos como Viola Davis, Melissa Leo, Terrence
Howard e Maria Belo. Mas é em Hugh Jackman que está centrada toda a atenção
narrativa e o actor australiano não desilude, mostrando toda a sua
versatilidade interpretativa e potencial dramático, como já tinha explorado no
musical Os Miseráveis (2012, crítica aqui). A sua personagem terá o desespero como
companheiro permanente e cometerá o que nunca poderia imaginar fazer em nome de
uma esperança vaga e pouco real, mostrando assim como numa situação in extremis, o impossível pode ficar
perigosamente perto da realidade. Terrence Howard destaca-se também numa obra
em que as interpretações estão ao mais alto nível, incrementadas ainda com o
brilho de Melissa Leo.
Paul Dano e Jake Gyllenhaal em Raptadas. Foto: Out Now. |
Raptadas é uma obra dura
e difícil, perturbadora e profundamente tensa. E, apesar de ser um filme algo
longo, a narrativa é contada de forma harmoniosa, envolvendo o espectador de
tal forma que este não notará pelo tempo a passar. É um thriller complexo e violento a nível psicológico, com vários subplots que poderão parecer acessórios
inicialmente, mas que serão fundamentais para a compreensão final da história. Raptadas
não será tão prodigioso como Incendies – A Mulher que Canta, mas
é uma obra fascinante e absorvente, quiçá uma das melhores da temporada e que
pode deixar, em última instância, grandes expectativas para Enemy,
o próximo filme de Villeneuve, que adaptará para o grande ecrã a história única
de José Saramago: “O Homem Duplicado”. Em Raptadas, o espectador sentir-se-á
ele próprio como um detective do caso, não tendo todas os segredos da história
imediatamente acessíveis, mas poderá colocar-se também na pele do pai que
perdeu o que mais tinha de precioso e que não hesita em fazer o que pensa que
lhe poderá trazer a filha de volta. E, afinal, podemos mesmo ser capazes de
tudo?
(Crítica publicada na revista Metropolis de Novembro de 2013: cinemametropolis.com)