Ponto prévio: é normal acabar de ver pela primeira vez um filme dos irmãos Coen (Joel e Ethan) e perceber duas coisas. A primeira é a de que se testemunhou algo de surreal, rebuscado, com a sensação de algum desnorte, uma clara falta de percepção sobre o que se acabou de ver e a ideia de que se viu algo bastante "fora" do que já se tenha visto antes. A segunda é simples: depois do primeiro não se consegue parar.
Eu consegui ter uma grande pausa entre títulos desta dupla por razões que agora não são relevantes e, por isso, faltam-me na lista dos filmes já vistos dos Coen títulos como Este País Não É Para Velhos (2007) ou o recente Indomável (2010). São falhas, bem sei. Mas, a seu tempo, deixarão de o ser.
O que aqui importa é O Grande Lebowski (1998), filme que conta com a participação de grandes nomes do cinema, tanto naquela época como hoje em dia, numa aposta verdadeiramente vencedora no que toca ao elenco: Philip Seymour Hoffman, Jeff Bridges, John Goodman, Julianne Moore e Steve Buscemi. São estes os principais nomes que compõem esta obra.
Jeff Bridges, John Goodman e Steve Buscemi em O Grande Lebowski. Foto: cineol.net |
O mundo alternativo dos Coen traz para o "palco" uma grande capacidade de contar estórias absolutamente surreais, sempre com alguma lógica, interligando umas três, quatro, cinco estórias num caos organizado. Trata-se de uma forma de contar estórias que, para criadores "normais", cada "pequeno" pedaço de argumento teria direito a um vulgar e desinteressante filme apenas. Ver-se-ão muitas semelhanças entre as suas criações e as de Quentin Tarantino, não tanto no conteúdo mas na forma e no conceito.
O Grande Lebowski confirma esta adopção do género "tarantinesco". A trama, na sua base, traz-nos um homem (The Dude, Jeff Bridges) extremamente despreocupado com a vida que ele e os outros levam, querendo apenas continuar a ter a oportunidade de jogar bowling com os seus amigos. Toda a sua paz pessoal e social é quebrada quando algumas confusões lhe provocam danos... num tapete. A partir daí, a saga de Dude e seus parceiros de aventura assenta na recuperação do dito. Porque tudo não passou de um mal-entendido. Um grande mal-entendido, como se verá ao longo do filme de formas nada previsíveis e expectáveis.
A confusão do argumento, contando a estória que se segue a este pressuposto, alinhada com as sucessivas "experimentações" dos Coen, com as suas animações e cenas coreografadas, de grande valor visual e com uma grande componente de surrealismo poderão afastar alguns espectadores, é certo. Não é um filme que faça sentido ao primeiro olhar. Contudo, toda a aura de experimentalismo, de ver que tudo é possível e, no fundo, de ver uma estória com tanto de real como de humano transposto para a realidade de um filme com estas características é o que dá a O Grande Lebowski todo o seu encanto.
Julianne Moore numa das cenas mais delirantes de O Grande Lebowski. Foto: film.com.tr |
Em Dude, toda a aura de desprocupação e de estar de bem com a vida "esbarra" - e bem, dando um maior humanismo à personagem - na possibilidade de poder dar um sentido à sua própria vida. Ter um objectivo, ter uma tarefa concreta (para lá do óbvio, como ir às compras ou jogar bowling), parece ser o que o liga ao mundo real. A possibilidade de ajudar na busca de uma mulher raptada ou de - lá está - recuperar o seu tapete são os grandes motes que o fazem mexer e repensar sobre se valerá a pena mudar alguma coisa no modo como vive. Contudo, as tarefas não ficam por aí, tendo que procurar sempre algo mais, a pedido de alguém mais.
Goodman é um dos companheiros de Dude, encarnando um veterano da guerra do Vietname carregado com o peso de um conflito armado que não era o dele mas que o deixou com sérias perturbações mentais, provocando problemas de sociabilização. Todo o seu comportamento (resultante de uma enorme interpretação de Goodman) leva a uma caricatura (fidedigna ou não, caberá a cada um responder) de uma parte do grupo de estereótipos do que é ser norte-americano. Personagem essencial na orientação da estória e do que Dude realmente quer, faz ou diga.
É um grande filme, com muito humor, muitas cenas e sequências absolutamente delirantes e com pouco sentido mas que, no contexto da estória que nos está a ser contada, ganham um outro peso. Quem vê é facilmente transportado para aquele mundo completamente alternativo e rapidamente se vê embrenhado num contexto que não domina e onde se sente perdido. Tal como os "aventureiros" no filme.
Donny (Steve Buscemi), The Stranger (Sam Elliott) ou Da Fino (Jon Polito) são alguns (poucos, diria) dos elementos desta estória que parecem ter sido criados e incluídos para deixar o espectador com os pés assentes em solo firme, que transmitem a parte humana (de possibilidade real) desta estória. Em sentido contrário, temos Jesus Quintana (John Turturro) como o grande momento de surpresa e comicidade de toda a estória. Pouco tempo em cena que, ainda assim, marca o filme e marcou a carreira - segundo o próprio - do actor.
John Turturro em O Grande Lebowski. Foto: cineol.net |