'Os Miseráveis' - O melhor adjectivo para o filme!

Ponto prévio: o género musical tende a irritar-me. Especialmente quando se trata de filmes em que tudo o que é diálogo é cantado. Enveredar por um diálogo que, na verdade, não chega a sê-lo, acaba por funcionar mais como distracção do que como algo criativo, emotivo e empolgante.

Os Miseráveis é tudo isto. Toca em todos estes pontos com a agravante de ser um filme demasiado trágico, triste e dramático para existir a camada musical que distrai demasiado o espectador, não da história em si, que é relativamente "fácil" de acompanhar e sem grandes reviravoltas no argumento (sem ser previsível), mas dos diálogos e de toda a componente de interacção entre os actores.

Russel Crowe (Javert) e Hugh Jackman (Jean Valjean) em Os Miseráveis.
Foto: Beyond Hollywood.

É uma questão de gosto, dirão. Mas não se podem esquecer estes pormenores. Para quem valoriza (como eu) a força de um argumento através da construção de diálogos interessantes, ver tudo cantado - só porque sim - torna-se enfadonho. O facto de o filme ser longo (demasiado!), com cerca de 2h40m, também não ajuda.

O filme é, quase por inteiro (diria que cerca de 90%), cantado, distraindo mais do que entretém durante a esmagadora maioria das quase 3 horas de ficção. Se há coisa que um filme musical precisa de ter para não se tornar um concerto de qualidade duvidosa (geralmente, todos cantam bem, mas há excepções) é a moderação nos diálogos cantados. Algo que Os Miseráveis não tem.

Continuando na onda de crítica baseada em gosto pessoal: a realização. Faz-me alguma confusão apostar-se numa realização "frenética", de câmara na mão, constantemente inconstante, aplicada numa situação de época.

Ao contrário do erro que foi a consagração de O Discurso do Rei, em 2011, e da realização de Tom Hooper, com Os Miseráveis confirma-se que, para estar ao nível de uma nomeação para melhor realizador (ganhou em 2011 e este ano não foi sequer nomeado), é preciso fazer muito mais. Fica a ideia de que este mesmo filme, com a mesma estrutura, nas mãos de outro realizador, poderia ser bastante mais do que é.

Esta realização fez sentido, especialmente, em dois grandes momentos: na parceria entre as personagens de Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter, de teor mais cómico e com um ritmo bastante mais acelerado e alegre; e nas grandes cenas correspondentes à revolução. No resto, parece-me desadequado para a história que se está a contar.

Helena Bonham Carter (Madame Thénardier) e Sacha Baron Cohen (Thénardier) em Os Miseráveis.
Foto: Beyond Hollywood.

Os Miseráveis tem performances individuais de grande valor, sem margem para dúvidas. Verdade seja dita que a opção tomada por Tom Hooper de fazer os actores cantarem ao vivo as suas performances deu um alento especial ao filme. Ajudou bastante aos grandes desempenhos de alguns dos elementos de um elenco a um grande nível. 

Hugh Jackman (Jean Valjean), apesar de deixar a desejar enquanto cantor, representa bem a personagem e toda a carga dramática a ela ligada. Russell Crowe (Javert), surpreendentemente seguro musicalmente, desempenha um implacável, duro, sisudo e bastante sólido "vilão".

Anne Hathaway terá tudo para levar o Oscar de Melhor Actriz Secundária (provavelmente devido à estratégica categorização do papel de Hathaway no filme como "secundário"). Um grande papel, com uma fortíssima carga dramática, concentrada em poucos minutos, mas muito bem conseguido.

Ainda assim, o grande destaque vai para o par Cohen-Carter. A ideia passava por deixar entregue a este "núcleo" do filme a parte cómica da história, de forma a fugir a tamanha tragédia imposta pelo decorrer das restantes aventuras e desventuras (o tradicional comic relief, portanto). Extremamente feliz esta parelha de dois grandes nomes da actualidade!

Outro dos aspectos que aqui merecem uma crítica mais dura é a caracterização dos personagens. Especialmente nos casos de Javert e Valjean, denota-se algum "desleixo" no envelhecer dos dois homens mais importantes do filme. Os anos passam no decorrer da história mas parecem não passar por Jackman e Crowe.

Resumindo e concluindo: levava expectativas baixas para este filme pelo que o género, tradicionalmente, apresenta. Por isso, não desiludiu porque a ilusão era quase nula. Pelo contrário, a expectativa de ser surpreendido pela positiva estava lá, tendo acabado por acontecer o oposto.

As grandes cenas revolucionárias, com o povo na rua e as cenas de "batalha", a par dos momentos de Cohen e Carter, são os grandes pontos positivos do filme - o que diz bastante da elevada carga de tragédia que o filme impõe mas que não deixa impor. O momento musical de revolução, por outro lado, ganha, incrivelmente, o seu espaço e galvaniza, aproveitando-se do facto de o filme ser um musical para ganhar um outro peso - e, aqui sim, a justificar a utilização do género em questão.

Uma das cenas épicas do filme em que, ajustadamente, se canta, galvanizando a cena e o espectador.
Foto: Kinobank.