«Django Libertado» - O bom que é ver trabalhos geniais

Poster de Django Libertado. Foto: Beyond Hollywood.
Uma obra-prima. 

Podia dizer-se, sobre quase todos os filmes de Quentin Tarantino, que não há hipótese de o realizador norte-americano desiludir. As histórias são sempre geniais e ninguém espera nada menos do que isso. Pode-se não gostar do resultado final pelas mais variadas razões (demasiada violência, demasiado surreal, demasiado "fora" para ser, sequer, credível). Mas é comummente aceite que o produto é bom. Excelente, mesmo.

Em filme de Tarantino, é Tarantino quem ordena. Nada fica ao acaso: banda sonora, fotografia, realização, performance dos actores... nada. É tudo propositado e tudo uma enxurrada de qualidade. Onde supera a "mera" qualidade é no argumento. Como sempre, aliás. Tarantino consegue, uma vez mais, dar o seu cunho de génio contemporâneo ao cinema. São inúmeras as referências a outros tantos trabalhos já feitos há muito ou pouco tempo (inclusive aos seus próprios filmes). Para lá de uma ideia original, Tarantino cria o seu argumento resultante de várias influências.

Django Libertado (2012) não é um western. Também não é um filme de acção normal, nem tampouco um filme de romance, comédia ou drama. E, apesar de ter a sua acção centrada no século XIX, não é um filme histórico. É tudo isto, mas sempre com uma linha de acção com tanto de lógico como de surreal. Sempre coerente e genial, sempre "tarantinesco".

O filme começa com uns créditos iniciais (marca de Tarantino) ao estilo dos velhos westerns. Aqui, o realizador marca a sua intenção: recriar um género de filme que caiu em desuso com o seu próprio cunho. É precisamente nesta sequência inicial que logo se percebe que algo de épico está prestes a acontecer. A música, o plano inicial e todo o contexto de recriação inovadora transportam o espectador, de imediato, para aquela realidade. A surpresa vem depois.

Jamie Foxx (Django) e Kerry Washington (Broomhilda) em Django Libertado. Foto: Beyond Hollywood.

Muito criticado pela violência que inclui nas suas obras, Quentin Tarantino não poupou nos pormenores mais "agressivos" para sustentar uma história pouco contada. Ainda assim, nada de mais. Especialmente como em Sacanas Sem Lei (2009), em Django Libertado há uma forte carga de consciencialização social, de educação, de mostrar o que fomos e o que devemos ser hoje em dia. A tolerância, o amor, o respeito pela diferença e o lidar com extremismos pesam bastante em ambas as obras.

Ainda que esta mensagem passe sob as ideias surreais de Tarantino, ela está presente. E, principalmente em Django Libertado, é importante que este filme não provoque indiferença. E, de facto, está longe de o fazer. Não se pede a um filme de ficção que seja cem porcento fiel à realidade do contexto em que decorre a sua acção. Em Django Libertado, esse retrato é duro e difícil de acompanhar. Difícil de compreender, à luz do que é a realidade de hoje (apesar das excepções). Se há violência extrema neste retrato, por muito que custe, há-de estar próximo do que foi a realidade. Mas não será um documentário, só com factos.

Em realização, fotografia e banda sonora, trata-se apenas de prolongar o excelente trabalho que se reconhece a Quentin Tarantino. Com uma forte componente visual, de beleza e de choque, mas também de paralelo com os filmes nos quais o realizador/argumentista se inspirou para esta obra, a banda sonora, com um acompanhamento contemporâneo de músicas de outro tempo, dão o élan necessário à realização marcada e marcante, de autor, de Tarantino.

Impossível será não referir as interpretações individuais. Numa das promoções ao filme, das imagens de bastidores, mostravam-se alguns elementos a comentar que as cenas eram repetidas as vezes que fossem precisas, porque - e, aí, aparece Tarantino - "Nós adoramos fazer filmes!", segundo os próprios. A par disto, exaltava-se a liberdade criativa dada pelo realizador para que cada um desse o seu melhor. Foi isso que aconteceu.

Christoph Waltz, como Dr. King Schultz, em Django Libertado. Foto: Beyond Hollywood.

Interpretações geniais de Christoph Waltz (mais uma!), Samuel L. Jackson e Leonardo DiCaprio. O alemão mostra-se, pela segunda vez, como o grande intérprete da actualidade do que vai na cabeça de Tarantino. A personagem do Dr. King Schultz foi escrita a pensar em Waltz e só podia ter sido ele a fazê-la. De uma qualidade soberba, a história desenrola-se ao sabor das suas palavras, postura e capacidade do actor em entrar no ambiente criado pelo "louco" autor. Samuel L. Jackson personifica, provavelmente, a personagem mais cruel de todo o filme (sim, é possível). O tema da "submissão natural" do homem negro é levado ao seu expoente máximo pelas palavras e acções de Stephen. DiCaprio é o excêntrico homem de negócios, com tanto de ingénuo como de impulsivo. A grande entrada do actor mais esquecido (da história?!) dos Oscars no mundo de Tarantino. Nunca ganhou e soma grandes papéis atrás de grandes papéis.

Num momento em que a história do cinema é feita de remakes, sequelas de sucessos passados, de procura de ganhos que há muito começaram a ser difíceis de alcançar a partir de obras originais, não deixa de ser de enaltecer o esforço de Tarantino em dar algo de novo ao cinema. Não, Tarantino não pôs em prática uma peça inteira de originalidades. A originalidade de Django Libertado é a junção de vários mundos, dos westerns de outros tempos, de inspirações norte-americana e italiana (com uma participação especial pelo meio), à realidade própria de um Tarantino na sua melhor forma.

Quentin Tarantino, realizador e argumentista de Django Libertado. Foto: Beyond Hollywood.

A produção de uma analogia, contada em poucos minutos por Waltz, serve de mote para o filme. Muitos dirão que é uma obra longa. Não parece sê-lo, de todo. A história é contada com tempo, com o seu próprio tempo, os tempos necessários para a força do argumento passar pelas palavras e pelos silêncios, por momentos cómicos, dramáticos, românticos e de acção. O filme tem o tempo necessário para se poder contar uma história que, noutras mãos, seria maltratada no espírito, na realização, nas interpretações e que, aqui, tem o espaço e o protagonismo ideais para passar a mensagem pretendida. Uma obra-prima pelas mãos de um génio, um dos maiores da história do cinema.